domingo, 15 de abril de 2012

Mudança social sob uma perspectivas sociológica - Plano de Aulas


1.    Introdução

O plano de aulas exposto a seguir foi pensado para ser trabalhado com estudantes do 3o. ano do Ensino Médio de uma escola da rede estadual de ensino. Além disso, ainda é importante ressaltar que, ao pensar nos recursos didáticos a serem utilizados, foi pressuposto duas aulas seguidas de 50 minutos cada (realidade na Escola de Aplicação da USP – onde realizei minhas atividades de estágio – e provável realidade em toda a rede estadual de ensino de São Paulo, a partir do ano que vem), o que torna possível atividades mais longas, como a exibição de longas metragens, por exemplo. Ainda influenciado por minha experiência de estágio (no período diurno), as atividades foram pensadas levando-se em consideração alunos que possuem alguma disponibilidade para a realização de atividades fora do período da escola.
Ainda que este plano tenha sido pensado para um público específico, sua utilização não precisa ser feita de maneira engessada, seguindo todas as atividades como se segue um manual. A idéia é de que o mesmo sirva de inspiração ao professor, fornecendo a ele alternativas e não “receitas”, pois o contexto, a realidade de cada professor, é o que será determinante na escolha de como aproveitar cada uma das propostas expostas aqui.

2.    Plano de aulas      

Essas 10 aulas tem por objetivo geral a compreensão das mudanças sociais sob uma perspectiva sociológica, buscando trazer as principais teorias sociológicas sobre o tema, de modo a relacioná-las com questões da atualidade e do cotidiano dos alunos. Ademais, a discussão sobre mudanças sociais busca introduzir, nas quatros últimas aulas deste plano, a visão sociológica sobre os movimentos sociais, com destaque para o papel das Organizações Não-Governamentais (ONGs).
O ponto de partida para a discussão para o estudo de mudanças sociais será a leitura de Persépolis, uma autobiografia em quadrinhos da iraniana Marjane Satrapi. A escolha se dá, sobretudo, pelo fato desta obra ter sido selecionada para fazer parte do acervo das escolas estaduais, ou seja, é obra de fácil acesso para alunos e professores além de ter temática bastante coerente com o presente plano de aulas.
Assim, o ideal seria que os alunos já tenham lido a obra antes do inicio das aulas deste plano. Portanto, o professor deve entregar o livro com duas ou três semanas de antecedência às aulas descritas abaixo.
Ademais, o plano de aulas proposto aqui dá margem para ser trabalhado em conjunto com outras disciplinas do Ensino Médio. Assim, caso haja interesse da escola e dos professores envolvidos, há a possibilidade de inserir este plano de aulas num projeto de interdisplinaridade. Apenas como exemplo, está previsto para aula 4 uma produção de história em quadrinhos. Esta atividade pode muito bem ser acompanhada por um professor de Artes ou por um professor de Língua Portuguesa, que poderiam trabalhar a peculiaridade da linguagem da história em quadrinhos, com seus aspectos visuais próprios. Além disso, o tema pode ser desenvolvido através de outros vieses pelos professores de História e Geografia.


Aulas 1 e 2 – Mudanças Sociais sob uma perspectiva sociológica – questões apontadas em Persépolis (primeira parte)

- Iniciar a aula contextualizando a autora e a obra. Nesta primeira abordagem, antes de entrar no tema da aula, é importante deixar que os alunos expressem as impressões que tiveram da leitura da HQ. Além disso, é importante resgatar as passagens centrais da história.
- Após este primeiro contato, propor o seguinte debate: “Por que Marjane aceitava com tanta facilidade os ícone da cultura estadunidense e rejeitava o uso do véu? Por que certas coisas são mais fáceis de mudar do que outras? Em que situações a mudança social tem maior terreno para acontecer?”. Nesta discussão o professor pode provocar os alunos chamando a atenção para a forte presença de logotipos de marcas estrangeiras nas roupas que eles vestem, pode citar a quantidade de filmes e músicas estrangeiras que eles “consomem”, etc. Esta discussão é propícia para mostrar que algumas mudanças encontram mais terreno para adesão do que outras. Mudanças no que tocam a moral, a religião ou a valores muito tradicionais geralmente sofrem bastante resistência pela sociedade que recebe estas mudanças. Além disso, é importante ressaltar a maior facilidade que países desenvolvidos (como os EUA) tem em impor os seus modelos culturais nos países subdesenvolvidos. Para esta primeira discussão são especialmente interessantes os capítulos “O véu” e “Kim Wilde”., de Persépolis.
- Na segunda aula do dia o professor pode ampliar o debate, através dos exemplos contidos na própria HQ, mostrando que além da difusão cultural, as mudanças sociais podem decorrer de mudanças políticas, como mudanças nas formas de governos ou instaurações de regimes ditatoriais, como descrito por Marjane. Neste momento, é importante que o professor pergunte o que os alunos já sabem sobre o período ditatorial brasileiro. Trazer exemplos de como o novo regime alterou a vida das pessoas. Ainda usando exemplos que aparecem em Persépolis, desenvolver os conceitos de reforma e revolução, atitudes conservadoras, reacionárias, reformistas e revolucionárias;

Aulas 3 e 4 – Mudanças Sociais sob uma perspectiva sociológica – a tecnologia e as mudanças sociais - avaliação em grupo
Nota: A proposta de recurso didático para esta aula é a exibição de uma música. Para tanto, é interessante que cada aluno tenha uma cópia da letra da música. O material pode ainda ser projetado, caso a escola possua tela de projeção e projetor.

- Na primeira aula do dia, antes de propor atividade em grupo aos alunos, trazer exemplos de mudanças tecnológicas que proporcionaram mudanças sociais. Para ilustrar, utilizar a música Parabolicamará, de Gilberto Gil.

Parabolicamará

Gilberto Gil

 

 

Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena
Parabolicamará
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
Antes longe era distante
Perto só quando dava
Quando muito ali defronte
E o horizonte acabava
Hoje lá trás dos montes
dendê em casa camará
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
Pela onda luminosa
Leva o tempo de um raio
Tempo que levava Rosa
Pra aprumar o balaio

Quando sentia
Que o balaio ía escorregar
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
Esse tempo nunca passa
Não é de ontem nem de hoje
Mora no som da cabaça
Nem tá preso nem foge
No instante que tange o berimbau
Meu camará
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
De avião o tempo de uma saudade
Esse tempo não tem rédea
Vem nas asas do vento
O momento da tragédia
Chico Ferreira e Bento
Só souberam na hora do destino
Apresentar
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará

- Na segunda aula sugiro uma atividade avaliativa: divididos em grupos, os alunos discutiriam uma situação hipotética: Como seria a vida das pessoas se um governo tirano abolisse a internet e o telefone celular do Brasil? Como as pessoas se relacionariam sem torpedos, emails ou redes sociais? Quais seriam as alternativas possíveis? Após a discussão, feita em grupo e em sala de aula, os alunos produziriam um texto expondo as conclusões do grupo e também, inspirados na leitura de Persépolis, uma pequena história em quadrinhos onde um personagem descreveria sua experiência num Brasil sem celular e sem internet. O produto desta atividade deverá ser entregue na semana seguinte para exposição para a classe.
            O principal objetivo desta atividade é tornar o tema ainda mais palpável, trazendo a discussão sobre mudança social para o cotidiano dos alunos. Além de mostrar o papel de invenções tecnológicas na vida em sociedade (neste caso, fazendo o caminho inverso), a atividade busca desnaturalizar a vida informatizada, mostrando que é possível achar alternativas para a falta de tecnologia e que existia vida antes dos modernos meios de comunicação.

Aulas 5 e 6 – Mudanças Sociais sob uma perspectiva sociológica – conclusão da atividade com Persépolis e exposição sobre as principais teorias sociológicas sobre o tema

- Para a primeira aula do dia, a sugestão é que um representante de cada grupo exponha para o restante da sala as conclusões que seu grupo tirou da situação hipotética proposta na aula anterior. A sugestão é que esta atividade seja feita em circulo para que haja maior possibilidade dos grupos discutirem seus resultados após a exposição. Além disso, as histórias em quadrinho podem ficar expostas na sala de aula para que todos possam ver. A participação dos alunos no debate também é uma forma do professor avaliar a compreensão dos alunos com relação aos processos de mudança sociais.
- Para a segunda aula a sugestão é que o professor, partindo da apresentação dos alunos, faça uma exposição sobre a concepção sociológica de mudança social podendo ter como base, por exemplo, o capítulo 21 do livro “Sociologia para o Ensino Médio” (Tomazi, 2007).

Aulas 7 e 8: O papel da sociedade civil nas mudanças sociais: introdução ao debate sobre movimentos sociais e ONGs
Nota: A proposta de recurso didático para esta aula é a exibição de uma música e a leitura de um trecho da Constituição. Para tanto, é interessante que cada aluno tenha uma cópia da letra da música e do trecho da Constituição a ser lido. Os materiais podem ainda ser projetados, caso a escola possua tela de projeção e projetor.

- Exibição da música “Comida”, dos Titãs.

Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?...
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...
A gente não quer só comida
A gente quer bebida
Diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida
Como a vida quer...
Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?...
A gente não quer só comer
A gente quer comer
E quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer
Prá aliviar a dor...
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade...
Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?...
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...
A gente não quer só comida
A gente quer bebida
Diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida
Como a vida quer...
A gente não quer só comer
A gente quer comer
E quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer
Prá aliviar a dor...
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade...
Diversão e arte
Para qualquer parte
Diversão, balé
Como a vida quer
Desejo, necessidade, vontade
Necessidade, desejo, eh!
Necessidade, vontade, eh!
Necessidade...

Nota: Possíveis alternativas para exibição: caso a escola tenha acesso à internet, a música pode ser encontrada em http://www.youtube.com/watch?v=7Slr4Jy84NM. Caso se opte pelo CD player, a música encontra-se no álbum “Titãs Acústico MTV”.


- Debate sobre a música. Após a exibição da música o professor pode perguntar para a classe sobre o que a música trata. Quais são as demandas sociais presentes na letra? O que a música quer dizer com “Bebida é água. Comida é pasto”? As pessoas ou grupos que reivindicam por “diversão, balé” não estariam pedindo demais? Não querem apenas regalias? Para responder estas perguntas e outras que surgirem do debate, a sugestão é a leitura do seguinte trecho da constituição:


- Leitura de trecho da Constituição de 1988

PREÂMBULO

            Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

CAPÍTULO II
DOS DIREITOS SOCIAIS
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000)
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)


- Retomar o debate, agora pedindo aos alunos relacionarem a letra da música com o texto constitucional. É interessante chamar a atenção ao fato de que as demandas da música estão presentes na Constituição como direitos sociais.


- Contextualização da música e do rock brasileiro nos anos de 1980. A música em questão, por exemplo, é de 1987, ano anterior ao da Constituição.


- Chamando a atenção ao fato de que o artigo 6o ter 3 redações, o professor pode instigar aos alunos que encontrem as diferenças entre as 3 redações: “Qual a palavra que aparece na segunda redação e que não aparece na primeira?” e “Qual a palavra que aparece na terceira redação e que não aparece na segunda? O professor pode questionar o motivo de aparecerem as palavras “moradia” e “alimentação” no texto constitucional. Contextualizar o surgimento de novas garantias na Constituição destacando o papel dos movimentos sociais.

- O professor pode perguntar aos alunos o que sabem sobre movimentos sociais e se conhecem algum deles. Partindo da resposta dos alunos, o professor pode expor outros movimentos sociais e a quais demandas sociais estão relacionados.

- Terminando a primeira parte da aula, o professor pode introduzir o debate sobre ONGs, mostrando como alguns movimentos sociais se “profissionalizaram” e se reuniram em ONGs.

- Exibição da primeira parte do filme “Quanto vale ou é por quilo?”, de Sérgio Bianchi

Nota: Filme disponível em http://www.youtube.com/watch?v=vVDUcF-hwnI.


Aulas 9 e 10: O papel da sociedade civil nas mudanças sociais: continuação sobre o debate sobre ONGs

- Exibição da segunda parte do filme “Quanto vale ou é por quilo?”, de Sérgio Bianchi
- Debate sobre o filme: Resgatar a discussão da semana anterior sobre ONGs. Mostrar que as ONGs, apesar de seus aspectos positivos, podem ser canais para a exploração da miséria e para a corrupção.
- Se sobrar algum tempo, é interessante mostrar recortes de jornal com os recentes casos de corrupção envolvendo ONGs.
- Trabalho para casa: Produção de um texto argumentativo “Em quê os movimentos sociais podem contribuir para que aconteçam mudanças sociais? Cite exemplos com base no que vimos em nossas aulas”.

3.    Referência Bibliográfica:

BIROU, Alain. Dicionário das Ciências Sociais. Lisboa: Dom Quixote, 1982
SATRAPÍ, Marjane. Persépolis completo. São Paulo: Ática, 2009
TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o Ensino Médio. Atual Editora, 2007.



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